“Enseada
do Segredo”, livro de Morgana Gazel, tem como foco uma mentira familiar e se
situa num subúrbio imaginário do nordeste brasileiro, no período da ditadura
militar. “Os personagens não são separados em
categorias distintas de bons e de maus. Todos atuam sob o comando de sua
humanidade. Apresenta, além do cunho psicológico, um aspecto educativo. O que se
justifica; pois a educação é uma condição necessária para uma condução mais
harmoniosa do homem no mundo”, conforme expressa a própria
autora.
Aparentemente,
trata-se de um simples romance, porém, a estrutura escolhida foi apenas um
recurso literário para ambientalizar o mergulho que, ao lê-lo, damos em nossas
subjetividades. Com o recurso da terceira pessoa e de uma linguagem
bastante acessível, leve e envolvente, a história é narrada. E os diálogos
diretos, que acontecem em vários momentos da trama, criam um clima de
realidade.
Mistério,
dia-a-dia, dramas, conflitos, romances, paixões, descobertas, mudanças e
transformações são os cenários perfeitos para encontrarmos a nós mesmos e nos
entregarmos a essa leitura empolgante, criativa e muito bem amarrada, em que
Morgana Gazel nos guia através da vida de Fred.
Uma
característica marcante é a tensão frequente que envolve Fred, o protagonista.
Ele vive uma vida normal, sem grandes razões para questionamentos que
contradigam sua realidade. Mas, dentro dele, há um incômodo... Uma sensação...
Fred não os sabe descrever e também não percebe que sinalizam as causas de ele
desconfiar da mãe, sem que tenha consciência disso. Esta desconfiança
transparece em suas atitudes.
O
desenrolar da trama inicial transcorre, mostrando a relação de Fred com o
ambiente onde mora, com os amigos, a mãe, tia Zezé, os estudos, a descoberta do
amor adolescente, as festas, os mergulhos, os desafios diários, os planos para
o futuro e, além disso, sua ignorância do que acontece em seu país; o que,
nesta história, lhe chega apenas como notícia.
Com
224 páginas excitantes, a autora consegue, utilizando-se do que há de melhor em
recurso literário, que é a criatividade sem perda do foco na trama, descrever
sensações e emoções humanas, onde só nos falta tocar nelas. Morgana Gazel,
praticamente, materializa os sentimentos humanos, tornando-os quase palpáveis.
Dá para escutar o coração de Fred bater forte por Jéssica; e ela nem sequer se
dá conta... É possível sentir o sofrimento de uma mãe zelosa que dá o máximo de
si ao filho, o máximo que nunca é suficiente. Fred é um jovem inteligente,
tímido, pacato, que gosta do lugar onde mora. E vive aquele mundo, de modo que
nada lhe proporciona tanto prazer como mergulhar nas águas da enseada sem
perder o fôlego e depois flutuar sob o céu azul! Ali, ele se sente protegido,
amparado e fortalecido, como se estivesse no ventre materno, a melhor zona de
conforto para todo e qualquer ser vivo!
O
ápice dá-se, num momento em que Fred se depara com algo inusitado: em sua
família, escondia-se um segredo! Como consequência do clímax, surgem questões:
O que fazer quando percebemos em nós o que tanto condenamos? O que fazer quando
nos deparamos com uma verdade que nem sabíamos existir? O que fazer diante de
uma grande decepção? Como reagir diante de uma dor profunda e insuportável?
Quanto dilema. Quanto sofrimento. Tudo isso após ter sido nocauteado pelo
conteúdo desse segredo e pela forma como lhe foi revelado.
Escrito
para ser lido por todas as idades, o “Enseada do Segredo” toca
as mentes e os corações jovens e adultos, convidando-os a participar do
processo de “humanização do homem”, que é facilitado por cada conduta, diálogo
e ação dos personagens. E através de questões estimuladas pela leitura, tais
como: estamos preparados para enfrentar a verdade? Diante de desafios que nos
levaria a uma mudança real, dispomo-nos a enfrentá-los ou resistimos,
acomodando-nos numa zona de conforto e estagnação?... Ante estas e outras
questões, afigura-se ao leitor o caráter exploratório que aparece em situações
de escolha e tomada de decisões. Ao término da leitura, dá vontade de
retomá-la desde a primeira página, na tentativa de, enfim, apaziguarmos as
emoções desencadeadas, nesse mergulho sublime nas águas internas do
autoconhecimento. Portanto, uma leitura rica e enriquecedora.
PATRÍCIA LINS / PUBLICITÁRIA,
RADIALISTA E RELAÇÕES PÚBLICAS.
Artigo publicado no
jornal A Tarde. Salvador – Quinta-feira, 15/11/2012. Populares, página 4.
Obrigada, Patricia Lins. Em seu texto, você deixa evidente como se aprofundou na leitura, percebeu cada detalhe acerca do sentimento humano, presente na história. Até agora foi a única pessoa que mostrou ter percebido que, para o protagonista, a enseada representa simbolicamente o útero materno.
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