segunda-feira, 24 de maio de 2010

MEDO DO MEDO - por Lya Luft

Mais um texto que diz muito que penso. Principalmente, no que se refere a educação e construção de um novo ser! Ainda mais da Lia Luft, que tanto trabalha por uma boa educação.



MEDO DO MEDO
                                                                        Lya Luft


"Tenho observado alguns esforços psicopedagógicos no sentido de tornar nossas crianças politicamente corretas - postura que muitas vezes nos transforma em seres tediosos, sem graça nem fervor. Contos de fadas, por exemplo, alimento da minha alma de criança, raiz de quase toda a minha obra adulta, sobretudo romances e contos, foram originalmente - dizem estudiosos -narrativas populares, orais, de povos muito antigos. Assim eles representavam e tentavam controlar seus medos e dúvidas, carentes das quase excessivas informações científicas de que hoje dispomos. Nascimento e morte, sexo, sol e lua, raios e trovões, o brotar das colheitas lhes pareciam misteriosos, portanto fascinantes.


Muito mais recentemente, escritores como Andersen e os irmãos Grimm adaptaram tais relatos ao mundo infantil e criaram suas maravilhosas histórias, que unem, como a vida real, o belo e o sinistro. Uma sereia quer pernas para namorar seu príncipe na praia, mas o sacrifício é terrível, a cada passo de suas novas pernas, dores inimagináveis a dilaceram. Uma princesa, sua família, séquito e criados do castelo dormem um sono profundo, maldição de uma fada má, e só serão libertados pelo príncipe salvador - que, é claro, sempre aparece. Branca de Neve, Rapunzel e dezenas de outros personagens alimentaram nossa fantasia e continuam a alimentar a das crianças que têm sorte, cujos pais e escolas lhes proporcionam contato cotidiano com esses livros.


Porém, faz algum tempo, há um movimento para reformular tais relatos, tirando-lhes sua essência, isto é, o misterioso e até o assustador. Lobos seriam bobalhões e vovozinhas umas pândegas, só existiriam fadas boas, e as bruxas, ah, essas passam a ser velhotas azaradas. Até cantigas de roda seculares tendem a ser distorcidas, pois atirar um pau num gato é uma crueldade, como se fosse preciso explicar isso para as crianças saberem que animais a gente ama e cuida - se é assim que se faz em casa.


Vejo em tudo isso um engano e um atraso. Impedindo nossas crianças do natural contato com essas antiquíssimas histórias, que retratam as possibilidades boas e negativas do mundo, nós as deixamos despreparadas para a vida, cujos perigos entram hoje em seus quartos, rondam escolas e clubes, esperam na esquina com um revólver na mão de um drogado, ou de um psicopata lúcido e frio, sem falar nos insidiosos pedófilos na internet.


Estamos emburrecendo nossas crianças e jovens, mesmo querendo seu bem? E, afinal, o que será o seu bem? Ignorar o que existe de sombrio e mau, caminhar feito João e Maria alegrinhos, não abandonados pelos pais, mas procurando borboletas no mato? Receio que a gente esteja cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico com arquétipos humanos essenciais.


Em compensação, adolescentes e crianças procuram o encanto do misterioso lendo sobre vampiros, bruxos e avatares, vendo seus filmes e pesquisando na internet. Por que isso? - me perguntou recentemente um pai. Porque, neste momento de altíssima tecnologia, a alma humana busca a expectativa, o segredo e o susto. Precisa conhecer o mal para se acautelar e se proteger, o belo e o bom para crescer com esperança. Mas nós, pedagogos e pais, nem sempre seguros e informados, começamos a querer alisar excessivamente a estrada para eles, não lhes ensinando que o mal existe, assim como o bem, que o belo nos atrai, assim como o monstruoso, e que é preciso desenvolver discernimento (gosto dessa palavra), isto é, a capacidade de entender e distinguir o melhor do pior, a fim de fazer com mais clareza e segurança as inevitáveis escolhas.


Mas se, porque isso nos tranquiliza, tratamos as crianças como imbecis, e queremos nosso adolescente infantilizado por um longo tempo, exigindo-o cada vez menos em casa, na escola e nas universidades - embora deixando que se sexualize de forma precoce e criminosa -, vai ser difícil que tenham informação, capacidade de julgar e escolher, que seriam nosso maior e melhor legado para elas."
(Lia Luft - Revista VEJA - 31/03/2010)


 
Uma grande amiga, muito "sábia" levanta a bandeira que a boa literatura pode desencadear e apaziguar emoções, sem nem mesmo nos darmos conta. Isso porque nós apreendemos muito através do nosso inconsciente e é muito raso afirmar - isso é o meu pensamento - que as velhas histórias e contos de fadas possam causar algum mal. Penso eu que tem muita gente utilizando-se de seus próprios medos, complexos e afins para criar um mundo limitado, através de limitações intelectuais, emocionais... A gente precisa é de algo que ajude a construir, que some e multiplique, não algo que divida e se torne cada vez maior e tomado como solução. Calcule quantas crianças atiraram pau no gato só por escutarem a música? Me poupe! Quem é cruel não precisa de incentivo, apenas é, só precisa de uma oportunidade e uma vítma.

Falar de perda, de ganhos, de medo, de morte, de vida... A gente aprende de maneira não-linear, de maneira que nem a gente sabe como é... de onde tiraram que se pode dizer que só podemos aprender ouvindo coisas boas? Desde quando o mundo é assim? Alguém conseguiu extirpar o mal da Terra? Quantos de nós diminui o mal que há em nós mesmos e, assim, em nossos filhos, através de atitudes coerentes?

Então, vamos nos dedicar a deixar um mundo melhor para os nossos filhos e filhos melhores neste mundo através da prática diária da construção de bons hábitos, sem negar que existe, sim, o mal, inclusive dentro de cada um de nós.


Na prática, quanto menos tabu, quanto menos preconceito, quanto menos julgamento, menos medo e maior a possibilidade de educarmos nossos filhos com o verdadeiro amor, pleno em si e maior do que qualquer mesquinharia humana! A melhor educação parte de nós mesmos!!!

Afinal, do quê ou de quem temos tanto medo? De descobrir que podemos ser melhores?

Saudações maternais,



Pat Lins.



2 comentários:

  1. Concordo plenamente com Lya Luft. E, como psicóloga, acrescento:
    Primeiro - histórias em que o bem e o mal aparecem ajudam a criança a desenvolver a capacidade de lidar com o "mal" que existe em seu íntimo. Criança sente raiva, sente desejo de agredir, de matar. Elas precisam conhecer um lobo mau imaginário em quem projetar suas "maldades" e assim vivenciar a experiencia de que levar a maldade para o ato (como o lobo faz) não traz recompensa.
    Segundo - crianças muito boazinhas ou medrosas, essas que por algum motivo reprimiram a gressividade, precisam de "caçadores" que lhes mostre a necessidade de se defender do mal de fora. E que é possível desobedecer e ainda assim ser amada e defendida contra o "mal".
    Histórias que apresentam os dramas humanos com honestidade ajudam crianças e adultos a apaziguar os conflitos internos e a enfrentar suas dificuldades com mais coragem.
    Histórias falsificadas pelos medos dos adultos, provavelmente, só as tornarão mais superficiais e incapazes de lidar consigo mesmas e com o mundo.
    Morgana Gazel

    ResponderExcluir
  2. No, mais uma vez, muito obrigada por nos emprestar um pouco de sua experiência, conhecimento e sabedoria!

    Ammmeeeeiiiii seu comentário enriquecedor e explicativo!

    Beijos, Pat.

    ResponderExcluir

Deixe aqui seu comentário/participação. Obrigada, pela visita! Volte sempre!

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails