“Os rapazes e as moças entraram no salão e se organizaram em pares, fingindo que o faziam ao acaso. Assim, Danilo ficou com Rosinha, e Fred com Jéssica. “Pelo menos, agora, ela não fugiu...”, Fred falava com seus próprios botões. Foi interrompido pelo toca-fitas que abafou, com o ritmo junino, todos os ruídos. Em seguida, arrastando notas de alturas próximas, como se sua voz flutuasse sobre a música, Dr. Libório pôs-se a fazer a marcação:
– VAMO COMEÇAR A QUADRILHA, PESSOAL – ele gritou. Os pares gritaram – VAMOS! – e ele continuou:
– CAVALHEIRO PRUM LADO E DAMA PRO OUTRO.
A música animada afugentou a inibição, e os rapazes e as moças obedeceram à ordem, no ritmo da dança.
– HOMES DE FRENTE PRAS MOÇA. VAMO LÁ, MINHA GENTE.
Fred tentava não olhar para sua dama, não queria tropeçar nos próprios pés tão grandes.
– CAVALHEIROS CUMPRIMENTANDO AS DAMA.
Fred curvou-se diante de Jéssica, como todos os demais diante de seus pares, seu coração, porém, saiu do compasso.
– AGORA AS DAMA CUMPRIMENTA OS CAVALHEIRO.
No gostoso balanço da música, as damas chegaram-se aos cavalheiros, depois voltaram a seus lugares.
– OS CASAIS SE JUNTA DE NOVO. OLHA O BALANCEIO.
Todas as mulheres dançavam, mas para Fred só existia uma...
– VAMO COMEÇAR O PASSEIO.
A música rolava e os casais, de braços dados, dançavam.
– PASSEANDO, MINHA GENTE, ATÉ FORMAR UMA RODA DO TAMANHO DESTE SALÃO.
Fred não entendia. Seu coração era um perfeito idiota. Alegrava-se com o quê? Ela estava pendurada em seu braço apenas por causa da dança.
– AGORA, TODO MUNDO DE MÃOS DADAS – QUE BELEZA!
Fred concordou; era realmente uma beleza a garota a seu lado.
– FORMANDO DUAS RODA, PESSOAL. DAMA, POR DENTRO, CAVALHEIRO, POR FORA. SOLTA SUA DAMA, DANILO. Ô MENINO DANADO!
Todos riram, inclusive Danilo.
– VAMO GIRANDO. AS DAMA PRA DIREITA, OS CAVALHEIRO PRA ESQUERDA.
As rodas ficaram a girar. A música rolava, os rapazes e as moças dançavam. Era um espetáculo para os olhos! Você precisava ver.
– AS DAMA PARANDO. OS CAVALHEIRO GIRANDO, ATÉ ACHAR SUA DAMA. ACHOU!
Os rapazes dançavam, as damas rebolavam em frente.
– QUE BELEZA!
Nenhum cavalheiro seria capaz de negar.
– AGORA, O CARACOL, MINHA GENTE.
A música rolava e a fila enrolava... Fred segurava Jéssica pela cintura. Um fogo tomava-o por inteiro. Seria o calor?
– A CAMINHO DA ROÇA, PESSOAL.
O balanço das saias e a música quente, em uma longa fila dançante.
– CUIDADO COM A COBRA!
Gritos e risos atravessaram a melodia. Fred também riu; viu Abud correr em desatino. Mas, que nada! Ele dançava, como todos, no ritmo jocoso do sertão.
– É MENTIRA.
Fred continuou em seu devaneio; seria uma cobra de mentira ou uma mentira sobre a cobra? E Jéssica, em sua frente, rebolava animadamente.
– COMEÇOU A CHUVA. NÃO DEIXE MOLHAR A ROUPA NOVA, GENTE BOA.
As mãos cobriram as cabeças, mas os corpos obedeciam à melodia.
– JÁ PASSOU.
Com ou sem chuva, a música contagiava, cúmplice com o marcador.
– VOLTANDO AO PASSEIO. TODO MUNDO DE BRAÇO DADO.
Fred obedeceu e agradeceu ao marcador que dançava.
– TÁ BONITO!
Mais uma vez, Fred concordou.
– PREPARAR PRO TRAVESSÊ. UM CASAL PRUM LADO, OUTRO CASAL PRO OUTRO.
A musica a rolar e duas filas de casais a dançar.
– TRAVESSÊ DE DAMA. VAMO BALANÇANDO.
As damas passando para o mesmo lado. A música a balançar as cadeiras das damas.
– TRAVESSÊ DE CAVALHEIRO.
Os homens para o outro lado. O ritmo nos pés dos homens.
– HORA DO GALOPE.
O passo célere, galopado. Cada par em sua vez. Sem esperar, a música movimentava as cadeiras das mulheres e os pés dos homens.
– VAMO LÁ, PESSOAL. GALOPANDO.
O par a galopar entre a dança das mulheres e o ritmo dos homens.
– VOLTANDO A SEU LUGAR, CADA QUAL COM SUA DAMA.
Os pares a se juntarem em duas filas dançantes.
– JUNTANDO AS FILA. E VAMO CONTINUAR O PASSEIO.
E outra vez se formou a grande fila. A música a contagiar as cadeiras das mulheres e os pés dos homens.
– CUIDADO COM O TÚNEL! É ESCURO LÁ DENTRO. VAMO PASSAR, SEM PERDER O RESPEITO.
A luz do salão apagou-se e logo se acendeu. Todos gritaram. E cada par atravessava um túnel feito com os braços dos casais que dançavam.
– TÁ BONITO!
Era o marcador que retornava às festas do passado.
– VAMO VOLTAR PRO ARRAIÁ, PASSEANDO.
Ao som da melodia, os casais voltaram a passear.
– CHEGOU A HORA DO ARRASTA-PÉ, MINHA GENTE!
O marcador já dançava antes do arrasta-pé começar.
– AGORA VAMO DANÇAR, ATÉ O DIA CLAREAR.”
(trecho da festa de São João do livro Enseada do Segredo, de Morgana Gazel)