E, de repente: o medo, a esperança e a fé de que tudo aquilo iria passar. Minha dúvida originava-se e finalizava-se num único instante e sem movimento. Tudo era medo. Revolta. Impotência. Emoções confusas. A razão servia para dizer: "calma! Mantenha a calma.". Era a única coisa a se fazer.
Dentro daquele ônibus, conversas soltas. Roncos. Risadas. Vento. De repente, um voz numa entonação diferente dava a "ordem": "PASSA TUDO! RÁPIDO! NÃO QUERO CARTEIRA, NEM DOCUMENTO DE NINGUÉM. SÓ QUERO CELULAR E DINHEIRO. RÁPIDO! RÁPIDO!". Levei alguns infinitos segundo para compreender que aquilo tudo era real! Que realidade doida! Mais parecia um pesadelo, daqueles que gritamos querendo acordar e não acordamos. Mas, de repente, num grito mudo da angústia e desespero contido, a gente acorda. E assim foi... Eles desceram.
Não. Não se trata de um filme, nem cena de novela. Trata-se do cotidiano mais comum e frequente, que, de tanto se repetir, passa a ser "esperado". Porém, mesmo sabendo-se que acontece a todo instante, a gente nunca acredita - ou, não deseja - que aconteça conosco. Eu vivi isso, ontem, na volta do trabalho. Sim, aquele que me faz feliz, por voltar a ter uma carteira assinada e um salário, ainda que pequeno, no final do mês. Ironia. Dualidade. Faz parte da vida... Coisas que parecem não fazer sentido, ditam o rumo e, quando nos damos conta, estamos lá.
No final da tarde de ontem, eu e mais um ônibus intermunicipal bastante cheio, fomos tomados de assalto. Quatro elementos entraram conosco na rodoviária. Seguiram viagem, em "paz" e, de repente: "passa o celular e dinheiro. Rápido! Rápido!..." Começa o tumulto e as mesma vozes e roncos transformam-se em mudez ensurdecedora de medo e impotencialidade. Tornamo-nos "nada". E ainda tivemos que escutar uma frase muito marcante: "...Anda, passa logo tudo! Eu tô aqui trabalhando, arrisacando minha vida... passa tudo."
Para piorar, um bandido "equilibrado", com voz mansa e serena, avisa para uma senhora, que chorava, num volume baixinho, em pé ao meu lado: "Calma, minha senhora! Não tem porquê ficar assim, não. Isso não é terrorismo, não. Só passar tudo, que todo mundo fica bem...". Poxa, que coisa linda. Olha, aquela situaação seria cômica, se não fosse trágica - pela tensão, porque, graças ao Pai, que fora clamado como nunca por todos os presentes, ninguém saiu ferido. Creia, fomos assaltados.
E uma parada num ponto de ônibus, à beira da estrada, nunca foi tão esperada. Parecia que o slow motion de todo o trajeto drástico congelava o ambiente e o frio se instalava, como o mais arrebatador dos invernos. Ali, compreendi, ainda mais, o que Einstein quis dizer, ao contradizer Newton, sobre a relatividade do tempo-espaço. Na verdade, não havia tempo. Tudo estava parado, exceto o ônibus em movimento, que, por mais que andasse, não chegava ao seu destino. Mas, qual destino era o mais esperado? Da descida dos elementos ou da rodoviária? A sensação era estranha. Aqueles gritos e aquela arma horrorosa, erguida a todo instante como troféu da desgraça alheia, nos lembrava quem estava no "comando" de nossas vidas e da imposição do terror, como clima.
Enfim, um sinal: "Deu, motor! Bora, bora, bora!" E, naquela parada, os corações voltaram a bater. Outros gritos ecoaram. Gritos contidos que necessitavam extravasar. Vísceras aflitas. Um alívio sem alívio. Que alívio, coisa nenhuma! Muita raiva e euforia tomou conta. A massa assustada e enfurecida, incapaz de recobrar razão e ordenação de idéias, gritavam com o motorista, após a descida dos meliantes, numa angústia só. Era preciso dar vazão ao acúmulo de emoções implodidas e misturadas. A massa queria descer, em qualquer lugar. Só queriam sair dali. Alguns poucos ficaram, firmes no propósito de recobrar o "juízo" até a parada final. Ali, vi o quanto somos "nada", sem a liberdade e as oportunidades. Durante o assalto, tínhamos duas opções: manter algo próximo a calma - e afirmando ser "calma", mesmo... - ou, sucumbir ao descontrole, o que seria como riscar um fósforo sobre pólvora... Ou seja, não tínhamos opção. Eles comandavam e faziam o que quisessem.
Naquela despedida, ninguém esperava nenhum: "tchau". Muito menos, abraço de despedida. Não havia dor naquela separação. A dor foi da convivência. Nunca escutei e falei tanto: "vão-se os anéis e ficam os dedos.". Literalmente, porque eles pegaram as alianças e anéis de ouro - até um de prata, recusado pelo "chefe" do bando, foi confiscado por outro integrante... E esse dito nunca foi tão real, em minha vida.
A sensação de uma arma, assim, bem pertinho de nossas cabeças, quase como um dedo a cutucar, é inexplicável. Até imaginar é difícil. Não sei descrever aquela sensação. Não era angústia, mas, parecia muito... só que era muito pior. Não era medo... Não era raiva... Era tudo junto e muito mais. Tantos trabalhadores ali. Tanta gente que opta por se manter gente, sendo vitmizado por animais primitivos e ediondos como aqueles que elagavam "estar trabalhando".
Mesmo em meio àquela distorção da realidade - sim, minha realidade vai além daquele episódio - havia um canto em paz, dentro de mim... O que o alimentava e o acendia, não sei falar, mas, ele estava ali. Uma voz interna bem legal me fazia companhia e eu gostava, porque aqueles elementos poderíam roubar tudo em mim, menos, o que trazia internamente. E eles não poderiam calar aquela voz firme e doce que me acalmava, repetindo inúmeras vezes: "tudo passa!". Eu não pensava, mas, uma espécie de pensamento se firmou em minha mente e acendi os holofotes em sua direção: "Já, já, isso tudo será passado". E, mais de meia hora depois, era. Não, eu não vi a minha vida passar pelos meus olhos. Não lamentava o que não havia feito. Não pensava: "ah, a gente reclama tanto da vida...". Naqueles instantes, eu só pensava no momento e ficar calma - se aquilo era calma... ou congelamento... - e, minhas forças permitiam que eu sentisse, quase vislumbrando, o fim daquele tormento. Pensava no prenste seguinte, que faria mais sentido. Aquilo tudo precisava se tornar passado e assumir o lugar de passado - algo que PASSOU! O tempo parecia ter perdido seu controle, mas, apenas parecia, porque tudo era questão de tempo.
De repente, o medo cedia espaço para uma esperança. Vi o quanto faz bem alimentá-la. Basta dar espaço que ela se manifesta e se instala. Naquele tumulto, clamava a dois tipos de fé: uma que me impunha e outra que trazia comigo e quase a sufoquei com o medo inicial. Orava e orava e orava. Aí, falava para Deus: "tô orando tudo errado, Pai... Não consigo seguir a ordem. Mas, o Senhor tá me ouvindo? O Senhor tá me entendendo? O Senhor tá aqui com todos nós? Pai, quero pedir paz, até para esses elementos, Pai, para que eles sigam seus caminhos e nos deixem livres e vivos. Jesus, nos socorre!". Pena que nenhum efeito, nem jogo de luz apareceu, mas, dentro de mim, aquela luzinha branca - que, agora compreendo ter sido cegueira de medo...risos - iluminava do meu olho para dentro, mesmo em meio à escuridão externa. Conseguia ver, sem enxergar nada. Foi até "engraçado" - se é que tem alguma graça nisso - que, no desespero contido, seguindo a voz de comando, sem encarar os sacanas dos bandidos, entregava meu celular e escutava "aqui, aqui" e, ao mesmo tempo, um tronco saindo da "reta" e repetindo: "não, dona, é para ele. Eu não sou bandido não..." Coitado, o bichinho, tão vítma quanto eu... Eu nem sei como eram. Nem o coitado para eum entregava o celular eu via... Só via troncos e membros estendidos por armas finas e compridas, como os dedos das "bruxas más" dos contos de fadas. As faces eram nuvens, de tão rápido que se mexiam. As vozes eram firmes, apesar de toda a tensão. Enfim, outro tempo se iniciava, sem nunca ter interrompido. Para mim, o tempo voltou andar. Aquele tempo, foi um acaso desagradável que não tem lugar definido. Aquele, foi um tempo a parte...
Enfim, o fim. Descer do ônibus era estranho. Todo mundo era suspeito. Eu e minha colega andamos de mãos dadas, tentando manter equilíbrio no desequilíbrio das pernas bambas.
Muita fúria, depois. Gritos e alegações de "direitos" e cobranças ao pobre coitado do motorista era o que mais escutava. Era um tal de "a gente tem direito..."; "a empresa deveria colocar um policial dentro dos ônibus"... Tentei imaginar um policial como escudo. Sim, porque para evitar que algo nos atingisse, só um escudo blindado. "Falta segurança" - gritaram. Nessas horas, todo mundo fez e aconteceu. Só não fez mais porque o resto se acovardou... A vida volta ao seu normal. Seres acéfalos usam sua reserva de inteligência para praticar um crime e utilizam-se de um discurso perfeito de pressão psicológica. Outros seres acéfalos, formando uma massa humana, corre desvairadamente, após a "finalização" daquela eternidade, sem rumo, só para sair daquele lugar, que, já estava livre dos homens - e uma mulher - "maus". Outros seres acéfalos, utilizam-se da voz forte dos gritos massificados pelo coro de "a culpa é..." e "temos direito a...". E, eu e outros poucos, tentávamos racionalizar para buscarmos uma solução inexistente em meio àquela zona de loucura. No final, vi que somos todos loucos.
Me questiono, ainda mais, em se existe alguma medida de segurança eficaz, para conter os assaltos de toda e qualquer espécie. Será que, em vez de leis para isso e para aquilo, se o Governo baixasse a Lei Magna e a trouxesse a prática, onde TODOS TEREMOS DIREITO GARANTIDO A SAÚDE, EDUCAÇÃO E ALIMENTAÇÃO DIGNOS E DECENTES. TODOS TEMOS DIREITO NA PRÁTICA E NA REALIDADE COMUM A QUALIDADE DE VIDA. TODOS TEREMOS MORADIA DE QUALIDADE, SANEAMENTO BÁSICO... talvez, a desculpa de "roubar" não existisse. Nem entro na seara da essência humana... Aumentaria ainda mais este post. Para mim, mais do que gritar a toa, a gente poderia conversar mais e, à medida que tomamos mais consciência do poder das massas, com organização e objetivos bem definidos, poderíamos chegar próximo ao que conceituamos como CIDADANIA e CIVILIZAÇÃO. Mas, para isso, urge uma mudança cultural de padrão e comportamento muito grande. Definir e estabelecer SOCIEDADE como um corpo mais capacitado é fundamental. Mas, isso é outro questionamento muito profundo...
Fato é que há erro em todos os lados. Mas, a culpa é do Governo. E quem cobra dele? Quem fiscaliza? Quem de nós cumpre o papel de cidadão? A gente se mantém no papel de povo... aliás, de povão. Nada que um dia não seja capaz de mudar. Ai, que sonho de ver esse dia chegar.
O dia em que cada um de nós vai se empenhar mais em
DEIXAR UM MUNDO MELHOR PARA OS NOSSOS FILHOS E FILHOS MELHORES NESTE MUNDO, começando por cada um de nós!
Pois é, vão-se os anéis, e, com sorte, ficam os dedos. E, acredite, a fé em algo bom, acima de todo tormento é algo que precisa ser mais cultivado.
Beijos,
Pat Lins.
Se eu contar para um Carroceiro, até o Burro Chora...
ResponderExcluirDeve realmente ser uma experiência terrível...
Só passando para sentir o quanto...
Mas o importante mesmo são os dedos...
felicidades...
http://burrochora.blogspot.com/
Muito bom teu blog,lindo o fundo e maravilhoso os textos...
ResponderExcluirLhe 'per' seguindo agora...rss
beijos
Talita
tatapalavrasaovento.blogspot.com
Obrigada, pelas visitas! E, mais ainda, pelos elogios.
ResponderExcluirBeijos e voltem sempre! Pat.